segunda-feira, 30 de novembro de 2009

COMO NASCEM AS MANHÃS













O fundo dos olhos da noite
guarda silêncios.
Esconde na retina
a menina que corre descalça em campo aberto.
Pálpebras cerradas, a noite emudece.
A menina com medo
faz um furo no escuro com a ponta do dedo.
Cai um pingo de luz.
Amanhece.

Flora Figueiredo

sábado, 28 de novembro de 2009

Na esperança de teus olhos
















Eu ouvi no meu silêncio o prenúncio de teus passos
Penetrando lentamente as solidões da minha espera
E tu eras, Coisa Linda, me chegando dos espaços
Como a vinda impressentida de uma nova primavera.
Vinhas cheia de alegria, coroada de guirlandas
Com sorrisos onde havia borborinhos de água clara
Cada gesto que fazias semeava uma esperança
E existiam mil estrelas nos olhares que me davas.
Ai de mim, eu pus-me a amar-te, pus-me a amar-te mais ainda
Porque a vida no meu peito se fizera num deserto
E tu apenas me sorrias, me sorrias, Coisa Linda,
Como a fonte inacessível que de súbito está perto.
Pelas rútilas ameias do teu riso entreaberto
Fui subindo, fui subindo no desejo de teus olhos
E o que vi era tão lindo, tão alegre, tão desperto
Que do alburno do meu tronco despontaram folhas novas.
Eu te juro, Coisa Linda: vi nascer a madrugada
Entre os bordos delicados de tuas pálpebras meninas
E perdi-me em plena noite, luminosa e espiralada
Ao cair no negro vórtice letal de tuas retinas.
E é por isso que eu te peço: resta um pouco em minha vida
Que meus deuses estão mortos, minhas musas estão findas
E de ti eu só quisera fosses minha primavera
E só espero, Coisa Linda, dar-te muitas coisas lindas...

Vinicius de Moraes



Olhos de ontem






















Olhos que querem
Olhar alegres
E olham tão tristes!
Ai, impossível
Que um muro velho
Dê brilhos novos;
Que um tronco seco
Abra outras folhas,
Abra outros olhos
Que este, que querem
Olhar alegres
E olham tão tristes!

Ai, impossível!

Juan Ramón Jimenéz
Tradução de Manuel Bandeira



















olhar o mesmo olho
com outros olhos

em outro olhar
o mesmo olho

nos mesmos olhos
o olhar do outro
de olho

Alice Ruiz

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Dentro dos olhos














De onde será
Invento os sonhos que não tenho?

De palavras bem ditas e mal ditas
Ao passar da leveza e da brisa
E por elas levadas?

De olhares intrigantes e deixados
Escondidos atrás da porta
Que o vento fechou?

De gestos ímpios e invisíveis
Gravados no deserto da alma
Que as tempestades apagaram?

De onde será vêm
Os sonhos que não consigo ter?

De mim mesmo
desenganado e fragmentado
Ou de minhas imagens
refletidas nos cacos do espelho
Que se quebrou de tantos desencantos?

Oswaldo Antônio Begiato

Perdão se pelos meus olhos























Perdão se pelos meus olhos não chegou
mais claridade que a a espuma marinha,
perdão porque meu espaço
se estende sem amparo
e não termina:
-monótono é meu canto,
minha palavra é um pássaro sombrio,
fauna de pedra e mar, o desconsolo
de um planeta invernal, incorruptível.
Perdão por esta sucessão de água,
da rocha, a espuma, o delírio da maré
- assim é minha solidão -
saltos bruscos de sal contra os muros
de meu ser secreto, de tal maneira
que eu sou uma parte do inverno,
da mesma extensão que se repete
de sino em sino em tantas ondas
e de um silêncio como cabeleira,
silêncio de alga, canto submergido.

Pablo Neruda
In Últimos Poemas